sexta-feira, outubro 01, 2004

"Mudar de Pele"

Quanto a vida teima em não chegar e nos perdemos nas horas percebemos que a sombra tem virtudes que a luz desconhece. A minha história é o cinzento escuro da sombra. Conheci em tempos um homem chamado Pedro que morava num ermo, sozinho entre os seus livros. Os dias escorriam por entre as letras, as páginas que folheava, enquanto estava sentado no seu sofá cor de caramelo gasto. Pedro acabara de começar um novo livro. A capa era em veludo sangue, as páginas densas, pesadas como as horas, a ansiedade de Pedro tomara-lhe o corpo, tinha de começar a devorar o livro! As letras narravam a Pedro a vida de um indivíduo, só acompanhado pelas bruxas que voavam por cima do seu telhado à noite. O espaço primava pela claustrofobia. Uma mesa e uma cadeira de pinho, uma lareira, um velho sofá castanho claro. Pedro sentiu um arrepio e imediatamente colocou mais uma cavaca, os dias estavam cada vez mais frios. Continou a ler, o homem do livro gostava de ficar sentado no seu sofá a imaginar vidas possíveis, diferentes daquela que lhe tinha sido reservada, mas o calor tomou-lhe o corpo inerte. O individuo decidiu fazer das suas horas, horas de leitura, pegou num livro com uma capa estranha, veludo sangue... páginas densas... Pedro deu um salto. Acabara de se aperceber que aquela história era a sua própria história. O desespero tomou conta de si. Continuou a ler, tudo batia certo até o rasgo final de loucura, em que Pedro tomado pelo dor corria corria e o destino era sempre o mesmo, o seu ermo, o seu sofá, aquele livro. Vezes sem conta. Pedro era um homem condenado a sua própria sombra.

C.

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