quinta-feira, setembro 30, 2004

"Dizem que a paixão o conheceu"


w. Posted by Hello

"dizem que a paixão o conheceu
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros
senta-se no estremecer da noite enumera
o que lhe sobejou do adolescente rosto
turvo pela ligeira náusea da velhice

conhece a solidão de quem permanece acordado
quase sempre estendido ao lado do sono
pressente o suave esvoaçar da idade
ergue-se para o espelho
que lhe devolve um sorriso tamanho do medo

dizem que vive na transparência do sonho
à beira-mar envelheceu vagarosamente
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria
nunhum ofício cantante
o tenha convencido a permanecer entre os vivos"

Al Berto

quarta-feira, setembro 29, 2004

Madrugadas Poeirentas


the lovers II - Magritte Posted by Hello

Tal como no amor à primeira vista, tal como os opostos serem capazes de se amarem para sempre, tal como quando há qualquer coisa de valor e vale a pena tentar porque irá dar certo, tal como escolher o caminho mais longo só para ver as caras que nos acenam na rua, tal como as bruxas que voam por cima do meu telhado à noite não me deixam dormir.
Também corro o risco de ser influenciada por ideias feitas e por músicas desaconselháveis ao meu precário bem disposto estado de espírito. E então pergunto-me qual a diferença entre adorar e amar, e para ser verdadeira estou cada vez mais convencida de que o tão falado amor é apenas uma ilusão, é o apropriar dessa adoração tão simples e a sua transformação em algo sobre o qual uma pessoa se possa comprometer a estar lá e ganhar certezas que tornem tudo mais seguro.
É bastante difícil querer que outrem seja feliz, por si só, sem a nossa influência. Acabamos por desejar assistir de perto a essa felicidade, posteriormente queremos interferir, no fim quer-se é ser a fonte omnipresente de qualquer sentimento risonho na outra alma desgraçada. Nasce o sentimento de posse, a obsessão tão tímida acaba por crescer, como uma carraça qualquer.
O amor é o sentimento mais egoísta de todos.
E assim tem razão de ser.
Para prosseguir é necessário responder a outra pergunta; até que ponto pode ter mais que um sentido amar, o conceito de amor e o dizê-lo a alguém...
Torna-se óbvio que nem toda a gente tem a mesma ideia e/ou espera o mesmo de uma relação amorosa... A essência que nos torna únicos define um bom bocado do que se procura quanto a esse aspecto. Há quem só queira foder, há quem só queira sentir-se especial, há quem ache que é fazer o outro feliz, há quem só queira uma pessoa lá, à espera, sempre, há quem sonhe com tudo, e felizmente há quem não espere nada de nada. O ideal seria haver respeito, empatia em todos os aspectos que rodeiam os dois, admiração por características que definam um e outro. E, claro está, camiões, montes, serras, montanhas, biliões, triliões, chiliões de toneladas de paixão sexual a roçar o mórbido. Não sei se é amor ou não, mas mantendo-se isto havia uma hipótese de não ser efémero para mim. Ah! Já me esquecia... É preciso querer!

C.

terça-feira, setembro 28, 2004

O último "tango" em Paris


Before Sunset Posted by Hello

No passado dia 24 de Setembro, na sessão de abertura do Indie Lisboa 2004, após passar da fila das reservas para a fila das desistências, obra do espírito santo, e não minha! Deus senhor sabe que falo a verdade, eu telefonei, a minha chamada é que não foi atendida... as minhas chamadas nunca são atendidas, até porque regra geral acontecem na minha cabeça. Só!
Continuando... lá conseguimos os ditos lugares para a pseudo gala, separadas como convém, porque, quem é que no seu perfeito juízo, quer ver um filme com uma pessoa que conhece sentada ao seu lado? Nada disso! O ideal, como sustenta o Before Sunset, é ver o dito filme com desconhecidos por todos os lados, para experenciar a essência da pelicula, quem sabe se o amor da minha vida não seria aquele sr. ao meu lado que quando se ria parecia que se estava a assoar ou a mulher atrás de mim que comentava o aspecto daquele, daquela e da outra... tudo é sustentável...pelo amor!

Mas o filme...

Viena já era deles. Encontraram-se em 1994, tiveram 14 horas para se conhecer, entre viagens de Inter Rail, e prometeram rever-se seis meses depois. Era assim que acabava "Before Sunrise" (aqui entre nós, ela, francesa, faltou ao encontro combinado; ele, americano, ficou à espera).

Agora. nove anos depois, têm Paris. Casaram-se ou têm "um relacionamento", ele está na capital francesa a promover um livro que escreveu sobre o encontro de uma rapariga francesa e de um rapaz americano, ela vive na cidade. E têm menos de hora e meia para porem o assunto em dia.

Uma única cena rege o filme, those strangers on the train...

What if you had a second chance with the one that got away?

segunda-feira, setembro 27, 2004

"Morreste-me" de José Luís Peixoto


deadcandance Posted by Hello

A P. uma minha pessoa deu-me já faz uns anos valentes o "Morreste-me" do José Luís Peixoto, autor conhecido publicamente neste último ano pela aparição de um livro/disco "Antídoto" co-autoria dos Moonspell. Dois antídotos para um mesmo veneno. Embora deva confessar que toda esta obscuridade não faz parte da minha pele. O que vale é a letra, a história de um filho que vive, acabado, com a morte do pai. O furtar das suas memórias. Da seca terra do Alentejo.

«E o que torna extraordinário o texto de José Luís Peixoto é a sua capacidade de avançar por esta nebulosa de sentimentos e de angústias, evitando sempre cair num qualquer tipo de retórica emocional. A sua comoção é sem limites, mas não transborda. E o seu lirismo apenas reforça a melancolia deste desamparado requiem para uma só voz» - dele afirmou José Mário Silva , no DNA.

"Regressei hoje a esta terra agora cruel. A nossa terra, pai. E tudo como se continuasse. Diante de mim, as ruas varridas, o sol enegrecido de luz a limpar as casas, a branquear a cal; e o tempo parado, o tempo entristecido e muito mais triste do que quando os teus olhos, claros de névoa e maresia distante fresca, engoliam esta luz agora cruel, quando os teus olhos falavam alto e o mundo não queria ser mais que existir. E, no entanto, tudo como se continuasse. O silêncio fluvial, a vida cruel por ser vida. Como no hospital. Dizia nunca esquecerei, e hoje lembro-me. Rostos tornados desconhecidos, desfigurados na minha certeza de perder-te, no meu desespero desespero. Como no hospital. Não acredito que possas ter esquecido."

José Luis Peixoto, in morreste-me, pág 7

domingo, setembro 26, 2004

"Europa" de Maria David

...foi deste livro que saiu a premissa deste blog... "Europa" de Maria David, uma personagem da carne de R.R. "a obra narra a história da dissolução da relação entre um homem, Pedro, e uma mulher, Helena, enquanto se assiste à destruição da Europa. Helena é incumbida de resgatar a Europa da decadência, através de uma série de ordens que lhe são impostas por uma espécie de jogo.Europa é uma crítica à mediocridade cultural, à corrupção, à conivência entre a comunicação social e o poder político, à ditadura da televisão. Europa é uma espécie de utopia, uma solução para o caos, para o ódio, para a inversão de valores, para o fim do sonho e do amor, para a imoralidade – a massa de que hoje são feitos os europeus."

...para mim esta "Europa" é mais, é o acreditar na salvação, não pela redenção à televisão, lugar comum a todos nós, ao zapping alheio noite após noite, à dormência da vista embriagada... a salvação reside pois nas musas, nas premissas maiores, neste livro essa conquista ocorre através da Callas, a sua voz em vez da televisão, o acordar de uma Europa prematuramente condenada à morte.

...este post é dedicado à R.R. como se pode ler na sua dedicatória de "Europa"

"Para o João pelo amor aos pedaços e para a Tatiana pela vida ceifada aos pedaços".

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