domingo, dezembro 18, 2005

365 - Um texto para o DN JOVEM



Já não entro em tua casa faz quase um ano. Não sei ao certo quantos meses passaram, nunca fui aquele tipo de pessoa que conta os dias e consequentes semanas que se transformam em anos de namoro, ou sabe de cor e salteado o significado dos feriados. Nem me recordo da última vez que te vi, ou pelo menos gosto de me habituar a essa ideia. Não porque tenha sido mau ver-te, mas afinal foi o nosso derradeiro encontro.
Ficou-me a imagem da pele quase a partir-se, das mãos que persistiam em alcançar as minhas e de um sorriso alheado, sem direcção, que inconsciente até me tratou pelo primeiro nome. Na ingenuidade digna de uma qualquer adolescente fiquei feliz por me teres reconhecido, ou por me fazeres esse favor, o de pensar que até te lembravas do meu nome e dos outros anos em que te ia visitar lá a casa.
Mas já não o faço mais. Morreste-me quando estava longe, mais precisamente do outro lado do mundo e não te fizeste sequer ouvir. Nem pela boca daqueles que continuaram por cá. Guardo meras impressões de descrições alheias. Pessoas que te viram e ficaram com uma discutível memória de ti. Eu decidi guardar aquele sábado, há não sei quantos meses atrás. Tu já na cama, mas ainda sem lhe estares amarrada e com uns olhos envelhecidos, que de castanhos passaram a cinza. E tu doce, com a santinha amarela fluorescente ali ao lado, a pedires-lhe que alguém pedisse por ti. E até eu que só rezo quando tem mesmo de ser, rendi-me a dita santa incandescente e rezei-te. Nada mudou à minha volta. Apenas um regresso de avião já avisado de morte. Passou a Páscoa, o teu mês de anos e agora está quase a chegar o Natal dos Hospitais, e torna-se impossível lembrar-me que fazias questão de ver, teimavas até que alguém te ligasse a maldita televisão e ficavas ali rendida.
A verdade é que embora se aproxime um novo ano, continuo sem saber contar dias e muito menos me recordo de datas de aniversários. Mas, curiosamente lembro-me que fazias anos em Junho e que poucos meses antes, sorrateiramente, te apagaste sem eu ver.

catarina medina

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Mais uma vez conseguiste traduzir por palavras aquilo que sentimos ... a Avó J faz falta ... faz-nos muita falta ... Esteja onde estiver, está bastante contente e feliz com o texto que lhe dedicaste com ternura e amor nesta época que lhe dizia tanto ... Um beijo Nita (JM)

3:24 da tarde  
Blogger mariannegreen said...

É um texto de amor. Bonito e feminino.

7:53 da manhã  

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