segunda-feira, outubro 31, 2005

O não saber como explicar...


Regra geral sinto-me impotente para conseguir definições. Sejam elas de sensações, ideias, ou até sentimentos subtis manhosos. Não sei pô-los à letra. E talvez por isso não os valorize. Às coisas como: "algo não está bem aqui", "sinto-me desconfortável sem justificação aparente", ou "reconheço nesta sensação a minha infância". Não as consegui passar a conversa. Se me perguntarem, então mas explica lá o que se passa, ou o que sentes, a resposta mais provável é um silêncio que conduz a uma natural mudança de assunto. E eu bem que tento expressar o raio das sensações e sentimentos, para palavras, mas parece que nunca chega. Sinto-me sempre a fazer conversa fácil de televendas, banal e desprovida de sensação, pelo menos uma que se aproxime aquilo que senti.

Uma vez numa aula, um professor esteve perto da tal definição verbal e chamou às sensações, manifestações de vida. A maioria dos meus colegas não devem ter valorizado, mas aquilo tocou-me. Manifestações de vida: uma tal de urgência de continuidade, qualquer coisa como coisas que se passam à nossa volta e que nos tocam sem aparente motivo, indicando um sentido. ( já perceberam a minha frustação? não consigo explicar mesmo! mas espero que me adivinhem nas entrelinhas )

A mim as tais "manifestações de vida" acontecem-me...

... em viagens longas de transportes, quando vejo as minhas cadelas a dormir, quando ouço uma boa música, quando reparo nos detalhes das pessoas que conheço e regra geral não valorizo, quando me lembro de casa, da lareira e de ler lá por perto, quando vou ao mercado em Campo de Ourique e vejo as pessoas rendidas aos pequenos hábitos de fim-de-semana, quando vejo a minha mãe pintar, ouço os meus amigos a falarem sem se controlarem, a debitarem palavras e eu ali a olhar para eles sem prestar grande atenção ao que dizem, mas a render-me a eles e aos gestos físicos que já conheço de cor e salteado, quando as senhoras do eléctrico 28 insistem em dizer bom dia e em fazer conversa porque como já me viram lá mais do que uma vez tomam-me por amiga intíma delas, ou até as conversas sussurradas demasiado altas em concertos e a consequentes pedidos de silêncio que nos deixam cheios de vergonha...
E podia continuar, mas depois perdia a minha intimidade. Fica o anonimato e o desejo de me tentar expressar através dele.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

(...)

Se pudesse ouvir o olhar,

(...)

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Fernando Pessoa

6:12 da tarde  
Blogger Hugo Torres said...

A palavra coisa.

3:29 da tarde  

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